Monday, November 17, 2014

A não existência do ser

Uma ou duas linhas abaixo das margens da miséria vivia escondido como escombro; um ser despedaçado por detrás das sombras das próprias ruínas.
Ríspido com o próprio âmago, afogando as vozes mais baixas que se podia ouvir dentro da cabeça a fundo do abissal silencioso em que seus olhos flutuavam. Boiavam lá também as ruas e outras misérias.
Recluso, à si mesmo negava as chaves da liberdade e a luz da janela, que tapava com manto, seja véu ou medo, manto que obstruia até mesmo uma só partícula de luz.
Apesar de ter tantos desejos encarcerados, nada lá se podia encontrar. Era o vazio de uma mente cheia de nada e os ecos dos sonhos já mortos em suas minas.
Rastejava o ser com um pé na guia e outro na sarjeta, desajeitado mais do que era por natureza, locomovendo seu corpo lívido à lugar nenhum.
Era de se ter medo. Como o dono da rua e todos os becos e avenidas, banhava-se na madrugada, escorado nas estrelas, como quem tentava escalar as mais amedrontadoras cascatas agarrando pedras lisas e musgos.
O desespero de ir vagarosamente à lugar nenhum despertava um brilho medonho em seus olhos cegos, que rastejavam a procura das pontas dos cigarros e da esperança, enquanto afogava-se em seu próprio abismo desapercebidamente.
Os tambores batiam forte, como desespero de um coração fugitivo, junto ao descompasso da sua existência, fugitiva também, caminhavam lado a lado, passo a passo, para um só parecer.
Os metros transformavam-se em kilômetros, dando ênfase à infinitude do rastejar humilhante nos inférteis solos de concreto.
De longe via-se a mancha que sujava as paredes da antemanhã. Uma aberração tão assustada quanto podia assustar.
As horas iam passando e sua existência ia se dissipando a cada metro percorrido, desaparecendo no abraço da noite.
E naquele momento já não existia mais o ser, como já não existiam seus pensamentos. Apenas aquelas manchas que perduraram até o alvorecer, refletindo a existência de um ser que para si não existe.

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