Tuesday, November 11, 2014

Turn the lights on! (in Portuguese)

Faça-se a luz! 
E num riscar de isqueiro 
manifestavam-se  minhas obsessões, flutuantes em um entardecer transcendental, como silhuetas, sozinhas vagueavam para um emaranhado de sombras no abater do dia. Abraçado pelos muros úmidos da cidade acizentada, esvairecia do meu ser a essência que preenchia a lacuna de seus becos improvisados por um amontoado de casas, que em degradee, com tons de melancolia, borravam a rua desde o plúmbeo opaco dos blocos molhados e mal erguidos até a última matiz amadeirada do último barraco, de onde ainda se podia ver o lívido amarelo da luz do último poste luminescente ainda aceso. 
Talvez de longe, somente por alguns instantes, eu pudesse tomar uma forma clara novamente, diante daquele fascinante fulgor que dançava para o vento frio, como um vestido alaranjado tremulante, reluzente à noite. 
Rapidamente meus desejos derretiam como palavras que estalavam com imperativo tom que ia despindo a claridade do meu ser perante o olhar abissal do escuro. 
As ruas calavam-se como reféns da paisagem mórbida do subúrbio de São Paulo. Era tudo tão silencioso que meus passos pareciam ranger com voracidade para o vazio que devolvia em ecos selvagens a paranóia de ser perseguido pelo atrasado som que fazia o descolar do meu solado, batendo entre o chão de concreto queimado e a planta dos meus pés, gradativamente. 
Sentia ódio de mim memso por fazer daquela pequena chama as trevas daqueles poucos segundos que perdurariam como cárceres eternos de uma lúgubre vida. Temia aquele soturno breu desde os buracos dos meus sapatos até o limbo das minhas pupilas dilatadas. Então já não mais sabia se era noite ou se era o céu da manhã coberto pela fuligem. Eu me perdi dentro de mim. Entre toda aquela fumaça que me cegava, eu tinha apenas uma única certeza : seguir a maldita luz. 
Meus olhos varriam incessantemente o panorama por debaixo dos meus pés, naquele metro cúbico, entre um degrau e outro, deslizando as mãos até a limiar do campo acimentado, procurando resquícios do que em mim era latente, obducto em meus bolsos. 
Provavelmente, haviam em números nos meus bolsos mais pedras de crack do que eu tinha de idade. 
Quando eu tinha 7 anos, minha inocência  cantarolava sonhos para o meu obsoleto futuro. Enquanto eu desenhava com um pedaço de lápis quebrado em um papel amassado a família dos meus desejos, imaginava usar terno e gravata aos 20 anos, enquanto apertava os passos pela Avenida Paulista,sem rumo, simplesmente apressado e indiferente como todos os adultos. Logo meus sonhos eram interrompidos por socos vindo dos punhos grandes do meu pai, envoltos em uma mistura de tabaco barato e álcool, e as súplicas da minha mãe, mulher que vendeu a independência  pela tola promessa ilusória de um Martini com cereja. 
Mergulhado nas circunstâncias exteriores das minhas razões justificadas pelas frustrações de uma infância melancólica, frustrada e estarrecida,cada trago trazia à tona amargas lembranças. 
Aos 3 anos de idade eu era espancado pela babá. Com o corpo cheio de hematomas eu enfrentava a pré-escola submerso na frase "se você contar para alguém, mato você e seu irmão". Aos 5 anos comecei a tomar conhecimento das desavenças e do alcoolismo do meu pai, que desesperadamente minha mãe tentava esconder sem sucesso. Aos 7 anos eu era obrigado a me alcoolizar quase todas as noites nos rituais da religião dos familiares do meu pai. Aos 8 anos eu passava as madrugadas acordado, ouvindo do outro lado da parede o choro da minha mãe, enquanto meu pai à estuprava sem piedade a noite inteira. Aos 9 anos foi a minha vez de ser estuprado. No mesmo ano tentei suicídio, porém, sem sucesso. Aos 10 anos tentei esfaquear meu pai enquanto ele dormia, porém, também sem sucesso. Aos 12 anos, lentamente comecei a abandonar os estudos. Aos 13 eu comecei a usar drogas ilícitas. 
Caráter lapidado pelas frustrações na infância, cego pelo crack, os únicos sentimentos, claros como a velha chama ininterrupta eram o ódio e a dor. 
Próximo dos meus 18 anos, que passaram como 18 séculos, ainda sofria calado, ouvindo os gritos de desesperança e agonia dentro da minha cabeça. 
Enquanto bêbado, quebrava as pedras de crack com os dentes e o outro viciado do meu lado esticava um guardanapo de bar, cheio de marcas de dedos sujos enquanto o preenchia com maconha mofada. 
Só de pensar em não fumar eu sentia náusea. Dentro das crises de vômito, minhas alucinações esquizofrênicas misturadas com a realidade que me circulava, sussuravam que eu provavelmente morreria alvejado por um policial da Ronda Ostensiva, extremista de direita, frustrado por não enclausurar viciados em cubículo de 3 metros de altura por 3 metros de comprimento e se divertir alimentando o seu sadismo de me ver sangrando no fundo de uma cela cheia de tuberculosos. 
Eu não conseguia fracionar o tempo entre um chewy com 4 pedras de crack e outro. O ar era denso, o clima tenso, a fumaça era prateada. Incessantemente segurando a respiração entre um trago e outro, extinguindo o tempo estritamente, enquanto preparava mais um chewy com 4 pedras, aguardando sem saber se estaria vivo, apenas para fumar todas as bitucas de chewy em um cachimbo, a caminho do ponto de tráfico pra comprar mais drogas com dinheiro roubado. Essas eram as minhas preocupações, enquanto me drogava ferozmente, com a obsessão de um carnívoro dilacerando sua árdua caça. 
Tudo acontecia tão rápido. O escuro ficava mais escuro. Eu estava morto antes mesmo de eu não sentir quse nada. Sentindo frio em uma noite de 26° C. Meu rosto, um rosto sem expressão ia se perdendo dentro de um espelho interior, sem reflexo. Senti a última batida do coração, depois o frio do campo de concreto queimado. Após um tempo indeterminado, uma pulsação. Recoberto por uma lucidez atormentante, visualizei apenas aquele viciado fumando todo meu crack enquanto eu apagava mais uma vez. Sem a ajuda de ninguém, me recobrei de uma overdose como um cadáver que arriscava viver novamente. 
Ali eu pude deduzir que não havia nada, a não ser o pouco que me restava para nada ser. Me levantei e saí arrastando os pés pelo asfalto, no sentido mais escuro da rua. 
O medo de caminhar pela luz não era simplesmente por não querer enfrentar diante da própria luz uma realidade há muito explícita, mas implicitamente era o medo do contraste que tinha entre a claridade do exterior o brumo do meu interior. 
23h50. Recobrando a consciência com um copo de conhaque para novamente ser o deus do meu desprezível mundo e refazer incansavelmente a luz que se extingue todos os dias dentro dele.

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