Monday, December 08, 2014

O pouco que me restava

Diante de mim não havia nada, a não ser o pouco que me restava para nada ser e os segundos desgarrados do meu tempo de viver.
Fugiam os grãos das minhas mãos como pássaros que nunca tinham visto o mundo, e por detrás das barras das gaiolas do relógio, se desprendiam de mim para que não se deixassem levar pelos ventos que precediam bem distantes a tempestade que em mim se manifestava. O tempo era pouco, os minutos corriam como cavalos de areia de ampulheta, apressando-se para bem distante, arrastando carruagens velhas de lembranças incompletas e cadáveres de antigas expectativas de um adolescente primitivo, abraçando as gotas da minha chuva, edificando a morte; estreita entre eu e a calçada que me dava colo quando não podia eu ficar de pé para enchergar o horizonte griso e revolto que me assediava.
Era um flerte constante entre o vácuo da morte e o infrutífero campo seco dos meus olhos sem reflexo. Estava ela, a morte, intensamente obcecada pela criança suja, rasgada aos trapos da desesperança.
Existir parecia ser egoísmo. Ocupar espaço em um mundo onde as pessoas disputam cada centímetro. E lá estava eu estirado... o vabundo esperando a dama luto, ríspida e áspera aos olhos alheios. Suave e encantadora, resplandecia sua face perante a minha, exibindo seu escuro como cor de batalha que travava eu com a droga, em uma guerra incessante entre quem consumia quem.
No carnífice sorriso de quem me aguardava, repousando sua pujança onerosa na espádua minha, açoitada pelas garras da vida, rastejava sua sombra, circundando meu cadáver vivo. Então apostava eu novamente no milésimo que anteciparia minha jogada, arrastando meu nariz naquela quilométrica carreira de 15cm, dando um pulso a mais no coração desistente que me habitava.
Novamente sorria a morte, rachando o asfalto, aguardando meu ser com um sustentáculo ósseo, e de alicerce, a certeza universal de que nos braços me carregaria morto como me carregou no ventre minha mãe, enquanto eu ainda podia sentir a vida encharcar minhas veias com sangue limpo. 
Eu engasgava, babava e regurgitava o gozar das últimas palavras emaranhadas na saliva da minha boca. Era um adeus.
Um adeus que não se cumpriu pela espontaneidade que meu corpo respondeu ao que eu achei ser minha última dose de cocaína.
E lá estava eu, estirado na calçada, roubando os centímetros de cada méritocrata que me perfurava com seus olhos cheios de veneno e repúdio nas pontas.
Que mais podia eu fazer se a certeza universal da morte havia me errado pelo milésimo em que eu virei pra cheirar a carreira em que eu apostei ser a última?

About This Blog

About This Blog

  © Blogger templates Brooklyn by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP