Sunday, May 26, 2019

Morto

  Um vento hostil que varria da face a vividez soprava naquele beco, frente a via em que eu me rastejava perante a sociedade da qual eu não fazia parte, somente para esmolar um cigarro qualquer que calasse a ânsia que escalava aos prantos dentro de mim. Apenas visto e jamais enxergado, recolhia meu corpo livido da calçada para o brumoso beco novamente. Febril e cego pela fumaça, deixava-me levar pelas verminosas palavras daqueles corpos putrefatos que me rondavam.
Com a morte em minhas mãos e bolsos, caminhava cego ao desfiladeiro do inferno para despencar no calor destrutivo da insanidade, mas acabava caindo rapidamente no gelado vácuo da realidade, onde palpável eram os devaneios da minha condição mental. Meu nível etílico estava tão alto quanto o álcool poderia me levar. O crack subia a mente, a cocaína descia a garganta, e eu cada vez mais demente. O sangue coagulado por todo meu nariz, as mãos imundas como meu caráter, as pernas em carne viva de tanto andar em círculos, neurótico, o giroflex das viaturas refletindo no suor do meu rosto; parecia um quadro de horror. A noite se rasgava e aos poucos os mortos voltavam para as suas covas, e eu me debatendo dentro da minha, sufocado pelo vazio que havia me enterrado.

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