Saturday, March 04, 2017

Uso em uso

Naquele entardecer violento, onde o crepúsculo parecia chamas de um céu em guerra, trepidava eu até a biqueira por mais alguns riscos doentios de cocaína.
É como se o diabo esfolasse minha cara, e tudo que eu sentira fosse torpor. Parece que é de fora, mas os vermes vem de dentro para extirpar as entranhas. É mais do que um maldito comichão que me coloca à rastejar no asfalto quente da grandiosa metrópole, que engole a si própria, faminta por alienação.
Esgueirando dos muros, postes e guias, vou eu, lentamente em direção à minha sina. Olhando de fora, parece bem mais atraente atirar na própria cabeça, ou atar o nó perfeito para enforcar a vida sorrateira que a aleatoriedade do universo me concedeu. Mas pouco a pouco é que eu vou morrendo, mais rápido do que a vida em si poderia dirigir. Meu suicídio é de dose em dose, trago em trago, tiro em tiro, pico em pico, pílula em pílula...
Naquele entardecer violento, eu entupi minha cara e meu ego com cocaína. Pouco a pouco eu fui entender que, lentamente, minha vida vai escorrendo bem mais rápido pelo bueiro hoje (resquícios de uso em uso).
Aquele céu de guerra já não mais me interessa, mas o vislumbre das chamas pintando com horror as nuvens, de segundo em segundo, ainda me machuca.

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