Thursday, June 24, 2021

Lata

  No fundo tocando Facção Central: "Desculpa mãe pela dor de me ver fumando pedra, pela Glock na gaveta, pelo gambé pulando a janela", e eu na boca do bar tomando conhaque, bem louco de crack. Era mais um dia normal, provavelmente a sexta ou a sétima vez que eu ia na biqueira naquele dia. Esse é o rolê do cavalo: vai buscar droga na boca pros boy pra ganhar uns tragos ou uma merreca pra fumar mais bagulho no final do dia. Na boca do bar, acelerado e pensando: vou na biqueira pros boy pego dez pila, compro uma pedra de cinco, uma lata de cerveja e uma dose pra diminuir o acelero. Amasso a lateral da lata, tiro o anel da lata e quebro no meio, faço uma espécie de ralo na lateral amassada, pego algumas bitucas do chão, acendo as bitucas, bato as cinzas das bitucas no "ralo" da lata, coloco meu bagulho, me entoco, acendo e fumo. Dois minutos depois eu saio da toca, volto pra boca do bar pra ouvir: "O seu papel deveria ser cuidar de mim, não espancar, torturar, machucar, me bater, eu não pedi pra nascer".

Tuesday, June 08, 2021

Amor

  O amor nunca me trouxe porra nenhuma. O "amor" me trouxe o crack, o frio, a fome, o fígado inflamado na rua por causa do alcoolismo. O amor me fez descer a rua Augusta comendo restos de bordas de pizza do chão, todas sujas de cinzas de cigarro. Amor? Amor porra nenhuma! O amor me fez cheirar cola no Vale do Anhangabaú, me fez ter duas overdoses de crack no mesmo dia. O amor me fez ser estuprado pelo meu próprio pai aos 9 anos. O amor fez eu me prostituir por três ou quatro latas de cerveja e um maço de cigarro. O amor me fez levar coturnadas no saco de PM lixo, que bate em pobre na calada da madrugada. O amor era ter 7 anos e ver meu pai dando tapa na cara da minha mãe depois de sete rabos de galo comprados com o dinheiro que ele tinha roubado da própria bolsa dela. O amor era tomar acelerão na biqueira por causa de duas pedras. O amor, o amor e o amor. Nunca teve amor! Dormir na rua e beber "água" do cano estourado na sarjeta nunca foi amor. Eu não sei o que é amor. Essa palavra pode ser até conhecida, mas o que ela representa não significa porra nenhuma pra mim.

Monday, April 27, 2020

Sugar Mommy

 2003. Eu tinha 16 anos, estava no primeiro colegial de um colégio público. Já havias repetido a sexta série, em 1999. Depois de um dia comum de aula no colégio novo, um garoto da minha sala chamado Vinicius me chamou de canto e me disse que a tia dele queria falar comigo. Eu mal conhecia o cara, quanto mais saber quem era a porra da tia dele. Ela queria falar comigo na saída, mas eu estava cagando e andando para os dois. No mesmo dia, às 17h30 o telefone toca, eu atendo e é uma mulher que diz se chamar "Cláudia" querendo falar comigo. Ela disse que era do colégio e que o assunto era sério. Pediu para eu encontrar com ela na rua de cima da minha casa. Até onde eu sabia, Cláudia era a diretora do colégio, mas mesmo assim, eu fui. Até pensei em levar uma faca caso fosse falsa a ligação. Chegando na rua, me deparei com a secretária do colégio. Lentamente fui ligando os pontos. Ela obviamente chamou pelo meu nome e eu fui em direção à ela. Ela me cumprimentou com um beijo no rosto, segurou minha mão e disse que precisava de ajuda. Ela me disse que estava se relacionando com um aluno que agredia ela e queria que eu impedisse de alguma maneira, eu disse que não podia fazer nada e ela foi abusivamente beijando minha boca. Eu a impedi, ela continuou tentando,e eu, por ter crescido em um lar de masculinidade tóxica, acabei cedendo. Eu sentia náusea e vergonha de beijar ela no meio da rua. Ela tinha uns 47-50 anos, e eu, apenas 16. As horas foram passando e ela falando obsessivamente  do tal do aluno que batia nela, e eu nada poderia fazer. Eu fui pra casa meio atordoado, e o resto da semana eu passei evitando a secretaria do colégio, até que exatos 7 dias depois, o telefone de casa toca no mesmo horário, e a tal de Cláudia, agora se identifica como Marina. Até hoje me pergunto como foi que ela descobriu sobre meu alcoolismo. Na ligação, ela me persuadiu dizendo que compraria bebidas e cigarro, e eu no ápice da minha abstinência, aceitei ir pra casa dela para "conversar". Quando eu a encontrei em uma esquina, ela me deu cigarros, bebidas e pediu pra eu acompanhar ela. Ela morava em um muquifo pequenino, que cheirava a mofo e louça suja. Assim que eu me dei a liberdade de sentar na cama dela e abrir minha cerveja, ela me agarrou com força e começou a beijar meu rosto e corpo. Eu fiquei em choque de perder as bebidas e os cigarros se não fizesse o que ela queria, e entrei no maldito jogo. Ela começou a tirar a roupa e eu percebi que o corpo dela tinha várias marcas de agressão, como cortes e queimaduras. Ela então confessou que não havia aluno nenhum,que era o ex marido dela que tinha feito isso com ela. Nem deu tempo de eu entender as coisas, ela já foi tirando minha roupa, beijando mais pra baixo do meu corpo e pegando no meu pau. Eu achei que tinha a obrigação de transar com ela, por medo, confusão e dó. Ela me deitou na cama, me usou da maneira que quis e depois terminou o "serviço". Ela fedia muito, era velha pra mim e tinha me usado para a própria satisfação. 17 anos depois eu descobri que ela não era minha sugar mommy, eu não havia me prostituído. Ela havia me estuprado, cometido pedofilia, e coação de menor. Foi assim que eu perdi a virgindade imaculada.

Wednesday, February 19, 2020

Terça-Feira Comum

Terça-feira, junho de 2019. Eu descia a rua do boteco que eu costumava ficar cuidando de motos na frente para comprar drogas, pra mais um dia saciar meu vício em álcool, porque eu sabia que haveriam outros usuários na porta do bar. Fazia um frio do caralho, e eu encontrei meu amigo Rodrigo com uma garrafa de pinga e outra de conhaque, bem louco falando bosta sozinho pela rua. Ele me viu, e automaticamente saiu do seu estado tempestuado de alcoolismo e gritou pelo meu nome no meio da rua, e eu respondi gritando também, pois estava eufórico para secar aquelas garrafas. Nos abraçamos e eu comecei a beber com ele. Um moleque mais novo também estava lá; Garotinho era o apelido dele. Ele era conhecido por ficar baforando lança perfume e ficar falando sozinho, muito louco de droga na rua. A bebida foi subindo, as coisas foram esquentando. O Garotinho começou a falar pra caralho e encher meu saco. Eu disse que ia pregar ele no soco, e ele me disse que pelo meu tamanho, ele teria que tomar "outros tipos de atitude" se eu o agredisse. Eu acabei ignorando. Não queria estragar a loucura que todo aquele álcool  estava me proporcionando com uma porra de uma briguinha. Continuamos a encher a cara sem perdão, incessantemente, virando as garrafas com vontade de um coma alcoólico, pedindo para morrer. O Rodrigo ficou zoado. Ele já estava falando perto demais e estava agressivo. Ele me pediu um cigarro e depois pediu o isqueiro para o Garotinho, mas por algum motivo eles se desentenderam e o Rodrigo deu uma cabeçada no Garotinho. Ele estava bastante violento (Rodrigo) e começou a gritar com o Garotinho, que xingava do outro lado também. Demos espaço para os dois, e o Rodrigo agarrou o Garotinho em um golpe de Jiu Jitsu , e eu assistia tudo enquanto secava as garrafas. Garotinho se livra com força do golpe mordendo com vontade a mão de Rodrigo, que começa a sangrar bastante, os dois trocam olhares afiados e mandamos o Garotinho pra casa. O Rodrigo gritando de ódio no meio da avenida, e quando olhamos para o fundo do beco do bar, vimos Garotinho se aproximando novamente. Ele foi pra cima do Rodrigo, e eu só vi depois o Garotinho correr com uma faca na mão e o Rodrigo deitado no chão da entrada do Shopping. Eu fui correndo até a entrada onde o Rodrigo estava caído e vi aquela poça imensa de sangue ao redor dele. A população começou a aglomerar e fazer vídeos da desgraça alheia, e eu fui segurar a cabeça dele enquanto outra pessoa fazia pressão no ferimento, tentando estancar o sangue. Eu só me lembro dele gritando meu nome e pedindo pelo amor de deus pra eu não deixar ele morrer. Eu entrei em desespero, mas não transpareci para ele ficar calmo. Os bombeiros não chegavam nunca, e ele perdendo cada vez mais sangue. Na real, eu tava com muito medo, mas não surpreso. Como diria Mano Brown: "Acerto de contas tem quase todo dia". Os bombeiros chegaram atrasados e levaram ele para o hospital, e eu com a blusa toda suja de sangue, aproveitei a multidão para roubar um celular (a porra do vício, né?!). Não estava acreditando que meu amigo tinha sido esfaqueado por causa de uma porra de uma briga por causa de uma porra de um isqueiro. Minutos depois a rua já estava lotada de Forças Táticas e o Garotinho se escondendo dentro de casa. Levaram à força o cara que estava estancando sangue para prestar depoimento, logo depois, prenderam o Garotinho. Fui pra casa dormir em choque. No outro dia eu fui pro bar com medo do que poderias ter acontecido, os caras foram me olhando já esperando o que eu fosse perguntar, mesmo assim, eu perguntei: "alguma novidade?", e um cara me disse que às 03h00 da manhã daquele dia ele havia entrado em cirurgia e não havia sobrevivido. Eu engoli amargo. Aquilo me deixou mal. Eu havia assitido o assassinato do meu próprio amigo. Eu me sujei com o sangue dele e havia prometido para ele que ele iria ficar bem. E na real? aquela tinha sido apenas mais uma terça-feira comum no Capão Redondo.

Wednesday, February 12, 2020

Lágrimas

 Hoje eu quase chorei. Não sei se uma lágrima ou duas conta, mas me ensinaram a não chorar. Me ensinaram a ser "HOMEM", engolir a porra do choro e dos sentimentos esmagadores que já estão me engolindo. Se você chorar, você é mais um "viadinho" que o mundão fodido vai mastigar. Mas é foda não derrubar uma lágrima ou duas olhando para trás, mesmo sabendo que eu tenho que olhar para frente. Eu estava pensando hoje no segundo suicídio que eu presenciei: o primeiro foi um vizinho com esquizofrenia que pulou do vigésimo andar, em 1994. Eu tinha 7 anos na época, e me lembro do giroflex do IML e o corpo abstrato coberto por um lençol na maca. Só que o segundo suicídio foi foda. Saber que por detrás do crisântemo tinha um amigo enforcado no banheiro de casa, e ver ele no caixão com o pescoço todo fodido foi cruel. Mas se eu pensar nisso, eu choro, e eu nunca tive esse espaço. Meu pai me ensinou a dar socos e me masturbar para pornô barato com 8 anos. Ele nunca me deu colo, nunca me deu nenhum tipo de conselho, não me ensinou a jogar bola, não me ensinou a namorar. Ele só me ensinou que eu deveria foder uma mulher com força, assim como ele fazia com minha mãe quando ele chegava bêbado em casa, querendo estuprar e espancar ela ao mesmo tempo. Parecem ser duas histórias paralelas (e são!). Meu pai bêbado e meu amigo morto. Mas é que nunca poder chorar, nem quando eu mesmo fui estuprado, é dolorido. Os dois foram ingredientes para uma depressão fodida que eu carrego comigo desde a porra de 1995. Perdi as estribeiras, fiquei louco, fui internado 3 vezes em um manicômio, mas não chorei. Não chorei porque foi assim que me ensinaram, e deixar cair uma lágrima ou duas hoje me pareceu até sensato, mas sinônimo de fraqueza. Mas os anos se passaram, e eu não vivo mais sobre as regras de merda do fodido do meu pai. Hoje, talvez, eu possa me permitir deixar cair uma lágrima ou duas pelos lutos que eu nunca tive, pela vida cruel que eu levei, pelas culpas que eu carrego, e quero deixar escorrer pelas covas do meu rosto, e quem sabe, inundá-las com o prazer de ser livre para ser sensível e me perceber como um humano (todo ferrado, mas um humano), que merece deixar uma lágrima ou duas deslizarem, porque o passado foi foda, e ao olhar para trás, eu quero lavar tudo aquilo com uma lágrima ou duas mesmo, foda-se.

Sunday, February 09, 2020

Linha do Tempo

 1990, eu tinha 3 anos, meus pais trabalhavam duro e não podiam cuidar do meu irmão e de mim (isso, meu pai ainda era pai). Contrataram uma babá para cuidar de nós dois (meu irmão e eu). Ela era estranha, eu me lembro que ela era uma pessoa de personalidade ruim. Segundo minha mãe, a escola que eu estudava ligou para o trabalho dela questionando ela, meu pai e as múltiplas escoriações que eu tinha pelo corpo. Logo associaram à babá. Eu me lembro de ser espancado e ouvir dela; "se você contar para os teus pais, eu mato teu irmão e você na paulada", e também me lembro de ser obrigado a lavar as fraldas de pano do meu irmão à mão, no tanque, enquanto ele ficava mijado no carrinho de bebê o dia inteiro. Nesse mesmo dia, meu pai chegou mais cedo do trabalho, pegou uma faca, colocou no pescoço da babá e disse que se ela voltasse novamente àquela casa, ela morreria (meu pai sendo pai pela primeira e única vez).
 1994, minha avó por parte de pai morre de complicações no coração, meu pai entra em depressão profunda e começa a crescer seu alcoolismo. As discussões entre minha mãe e ele começam a ficar mais fervorosas. Ele começa a ameaçar minha mãe, minha avó materna, meu irmão e eu. Nesse mesmo ano eu começo a beber álcool constantemente nas rodas de candomblé que aconteciam na casa do meu primo.
 1995, meu pai começa a espancar e estuprar constantemente minha mãe, também espanca os filhos enquanto bêbado. Ameaçava bater na minha avó, uma senhora de 74 anos. Eu começo a ver meus pais fumando e roubo cigarros deles. Começo a fumar. Meu pai compra revistas pornográficas e faz meu irmão e eu nos masturbarmos na frente dele enquanto ele assiste.
 1996, meu pai chega bêbado em casa, todos se trancam em um quarto menos eu. Ele me ludibria à ir dormir com o "Papai", e eu deito na cama com ele. Acordo no meio da madrugada sendo estuprado, e de pavor, fico quieto, fingindo que eu estou dormindo para as coisas não ficarem piores.
 1997, meu pai chega bêbado em casa e vai dormir todo mijado. Eu acordo na madrugada, pego uma faca na cozinha, acendo a luz do quarto dele e tento matar ele. Eu tinha 10 anos, e o medo não deixou me deixou prosseguir. Fui dormir chorando de ódio dele.
 1998, meu pai chega às 11h da manhã totalmente transtornado de álcool em casa, pega um cano de PVC e tenta espancar meu irmão e eu. Meu irmão e eu estávamos trocados para a escola, tirei coragem do ódio que sentia por ele, e depois de ele me bater até quebrar o cano de PVC em mim, eu dou um soco no estômago dele e corro com o meu irmão para a rua, deixo meu irmão na escola dele e do telefone público da minha escola, ligo desesperado para a minha mãe contando detalhadamente tudo o que havia me acontecido. No mesmo dia, foi a vez da minha mãe colocar a faca no pescoço do meu pai e dizer: "se você encostar a mão nos meus filhos novamente, eu mato você". No mesmo ano eles se separaram, meu pai foi morar em um cortiço e continuou bebendo até ter dois derrames cerebrais por causa do álcool.
 1999, eu comecei a ir muito mal na escola, por muitas brincadeiras na sala (daquelas que eu não tive em casa), tentando mascarar a dor que eu ainda sentia. Repeti aquele ano; a sexta série.
 2000, eu começo a andar de skate e a andar com  outros skatistas tão maloqueiros quanto eu, e no final desse mesmo ano, começo a fumar maconha e cheirar cola
 2001, começo a me drogar com mais constância; beber, fumar maconha e cheirar cola todos os finais de semana depois da crisma.
 2002, minha mãe perde o emprego na contabilidade um ano depois do atentado ao World Trade Center, onde ficava a sede da empresa onde ela trabalhava, em Pinheiros. Faço meu último ano no Elvira Ramos.
 2003, entro para o colégio Alberto Conte, em Santo Amaro. Falto nas aulas para usar drogas e cigarro com o dinheiro da condução. Saio da escola em abril para estudar no Miguel Munhoz, e em abril mesmo, já perco o ano por faltas. Nesse mesmo ano eu começo a usar cocaína.
 2004, eu arrumo meu primeiro emprego em uma fábrica de tecidos, e já viciado em cocaína e outras drogas, acabo conhecendo o crack e gastando todos os meus salários nele.
 2005, começo a usar drogas no meu horário de trabalho e começo a roubar a empresa. Nesse mesmo ano, já começando minha decadência, começo a comer restos de comida da praça de alimentação do shopping perto de casa e comer comida do chão e do lixo.
 2006, sou demitido e vou para as ruas, usar drogas. Involuntariamente acabo conhecendo Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos, mas não permaneço por muito tempo.
 2007 *apagado da minha memória*
 2008, uma semana antes do meu aniversário de 21 anos, após dois meses internado em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos, meu melhor amigo comete suicídio, se enforcando com uma gravata no banheiro da própria casa (ele já havia me dito que queria cometer suicídio).
 2009 *apagado da memória*
 2010, meu uso de drogas chega ao limite em que eu não conseguia mais ficar de pé, comer ou respirar. Comecei a tomar medicações para desintoxicação, mas acabei voltando às drogas. Dia 28 do último mês do ano, volto a frequentar as reuniões de Narcóticos Anônimos.
 2011, bem no final do ano tenho uma recaída com álcool, mas retorno à recuperação.
 2012, 2013, 2014 eu passo limpo e trabalhando em uma grande empresa.
 2015,tenho uma recaída no crack.
 2016, limpo novamente, sou internado em um hospital psiquiátrico em São Bernardo do Campo, por tentativa de suicídio. 29 dias de confinamento hospitalar. No mesmo ano, sou internado novamente no mesmo hospital, pelo mesmo motivo (suicídio). 24 dias de confinamento hospitalar. Após a saída, tive uma recaída no álcool.
 2017, volto às ruas para usar drogas todos os dias
 2018, continuo nas ruas usando drogas, sendo humilhado pela polícia e por outros usuários.
 2019, outubro, sou novamente internado para tratar do meu transtorno de personalidade borderline e da minha dependência química. Passo 29 dias em confinamento hospitalar.
 2020, 9 de fevereiro, 3h45 da manhã, me encontro limpo novamente, tomando medicações, fazendo terapia e acompanhamento psiquiátrico, frequentando as reuniões de Narcóticos Anônimos, com 4 meses e 5 dias de sobriedade, trabalhando em um livro de poesias e estudando comandos elétricos no Senai.
 OBRIGADO À QUEM ESTEVE DO MEU LADO E NÃO ME ABANDONOU!

Friday, February 07, 2020

Sozinho

Uma imensurável dor cresce no meu peito
Grande como o escuro do meu quarto
Em que fantasmas me engolem no afago
E me destruo sozinho em impagável deleito

É com imenso desprazer que vivo na solidão
Com uma cova no meu limbo
O nada como meu amigo
Que em segundos vai do abismo ao chão

E também é crescente o vazio ao meu redor
E os sinos que longe batem
E o medo de que mais se afastem
E o vácuo vá se tornando cada vez pior

O silêncio toma conta do meu mundo
Insano marginal de asas cortadas
Que rasteja no chão sobre suas próprias aparas
Se afoga na treva e teu sono profundo
E tudo é deixado para trás
Inclusive a velha paz
Que um dia habitou meu mundo

Tuesday, February 04, 2020

Domingo

 Domingo. Meados de 2004. Eu havia acabado de receber meu primeiro salário na fábrica em que eu havia acabado de começar a trabalhar. Saquei quase todo o dinheiro no banco e, num misto de ansiedade, desespero e abstinência de cocaína, saí na rua para encontrar alguns outro nóias pra torrar o dinheiro em álcool e drogas. Olhei para a minha esquerda, e lá estavam eles; os outros miseráveis que iriam fazer parte do meu plano diabólico. Dente e Yellow. Esses eram os outros dois nóias que eu (infelizmente) encontrei naquela tarde sepulcral de domingo. Eu cheguei perto dos dois, interrompi o assunto já gritando: "tô bonado, vamos dar uns tiros?". O Dente olhou felizão pra mim e respondeu: "só se for agora!". O Yellow (um ladrão bem mais velho) olhou pra mim e viu sua oportunidadede invocar teus demônios e disse: "vamos dar umas pauladas!". Eu pensei bem e disse que nunca o havia feito, e ele disse pra eu relaxar que estava suave e que era dahora. O Dente olhou com receio para nós e disse que não queria; que tava de boa e não queria noiar naquele barato (foda-se, sobra mais!). Eu e o Yellow pegamos um ônibus sentido Cohab Adventista, indo para a biqueira da Cinquenta, na frente de casa. Demos a multa no motorista, entramos por trás, sem pagar a condução e fomos sentido ao escuro brumoso. Eu não conhecia ninguém lá, e ele, todo mundo. Chegava gritando e cumprimentando todos os loucos da biqueira, e eu que não sou otário, aproveitei e cumprimentei todos os traficantes que estavam reunidos lá. Ele se encarregou de comprar as drogas com o meu dinheiro, e logo depois fomos sentido Vila Fundão pra usar nosso barato na quebrada. Compramos dez pedras de crack. Eu estava extasiado, era a minha primeira vez fumando pedra. Eu já sabia mais ou menos qual era a brisa que a droga dava, porque já tinha fumado muito free base (cocaína com maconha). Pegamos algumas latas de cerveja na conveniência do posto de gasolina e fomos para o escadão da Grisson usar as latas que já vazias na metade do caminho como cachimbo. Eu não sabia como fumar, o Yellow, malandro vivido, tinha as manhas e me ensinou:
*Amassar um lado da lata
*Tirar o anel da lata e rompe-lo no meio
*Fazer furos pequenos na lateral amassada da lata usando a ponta afiada do anel rompido
*Colocar cinza de cigarro em cima dos pequenos furos
*Colocar a pedra em cima da cinza de cigarro
*Acender, tragar e segurar a fumaça o máximo de tempo possível
*Soltar a fumaça e sentir a brisa estonteante daquele narcótico
 E nessa "brincadeira" se foram dez pedras de crack. Eu estava suando e meu coração estava à milhão, eu ficava na paranóia de estar sendo observado pela policia. Passamos no posto de gasolina novamente, pedi para o frentista passar R$ 100,00 no débito do meu cartão e me dar R$ 90,00 pra eu poder alimentar minha nova compulsão; minha nova nóia sinistra que provinha do poderoso crack.
Voltamos na biqueira, pegamos mais nove pedras e dessa vez fomos para o barraco de um nóia desconhecido, um que eu nem fazia idéia de quem era (mas foda-se, eu tava bem louco de crack mesmo. Vamos seguir o rush), mas sabia que estaria a salvo da policia fumando lá dentro. Chegamos no barraco desse tal nóia, e eu reparei que não havia porra nenhuma lá dentro, só uma porra de uma cama velha e vários cachimbos de crack debaixo dela. Pegamos um cachimbo cada um e começamos a fumar, sem pensar que poderíamos ter uma overdose (ou mais overdoses), ou pegar hepatite C compartilhando aqueles cachimbos sujos e usados. Ficamos algumas horas fumando crack lá, como quem faz ritual satânico: vendo vultos, se sentindo perseguidos, passando a mão no chão, buscando farelos de droga pra jogar no cachimbo, estranhando uns aos outros. Foi sinistro. E lá estava eu, enfiando a perna toda na lama nos meus 17 anos. Não cansado de fumar free base, estava me acabando na pedra. Primeira vez usando e já fui fumar dezenove pedras. Saí do barraco extremamente lívido, quase morto, e o Yellow querendo roubar para fumar mais. Eu fiquei com medo da droga, mas essa droga me deu tesão, e eu gostei do tesão que ela me deu. Bebi mais álcool para diminuir a euforia e os batimentos cardíacos que a droga causa e fui diretamente pra casa vendo fantasmas. Cheguei totalmente drogado e fui deitar, vendo fantasmas e sem tomar banho ou trocar de roupas (o começo da degradação de toda a história de minha vida começou aqui). Fui dormir de tênis, mas não conseguia atingir o sono. Passei a madrugada em claro pensando no que eu tinha feito e no que poderia me tornar. Fui virado para o trabalho (que ainda tinha). E esse foi meu primeiro dia no crack. O resto é sobre assaltos, furtos, trocas de bens, overdoses, policia, paranóia e perseguição.

Sunday, February 02, 2020

Terapia

 Sou um ex dependente químico, um ex alcoólatra em recuperação, tenho Transtorno de Personalidade Borderline e depressão severa. Não tenho amigos. Eles morreram de overdose, suicídio, assassinados e de doenças graves (AIDS, óbvio). Os que sobraram, casaram e não tem mais contato comigo (ainda saem juntos,mas não comigo). Os que eu fiz no hospital psiquiátrico enquanto eu estava internado, também não tem mais contato ou associação comigo. Minha família não fala comigo. Eles não me compreendem. Meu irmão ainda me vê como um nóia, minha cunhada é uma pessoa totalmente desconhecida e alheia à mim, minha mãe acha que depressão é falta do que fazer, e meu pai eu não tenho contato. Meus tios, tias e primos sentem dó de mim. Eu sou sozinho, não tenho namorada, não faço amizades no grupos de apoio. Fiz um perfil em aplicativos de relacionamentos, mas não dou "match" com ninguém. Não sou musculoso, não tenho cabelo liso, não sou loiro, nunca viajei pra outro país, não tenho emprego, não tenho profissão, não tenho carro, não tenho dinheiro, não tenho roupas da moda, e nem um celular legal. Sou uma pessoa invisível dentro de uma sociedade anônima. Nunca namorei sério alguma pessoa. Isso cansa, dá vontade de desistir da vida, dá vontade de desistir da recuperação e começar a usar drogas novamente, dá vontade de morar na rua e perder todo o contato com esse mundinho pequeno e medíocre em que eu "vivo". Sozinho em uma bolha de depressão, conversando sozinho e sonhando que eu tenho amigos. Às vezes me pego na cama imaginando que eu estou rindo e conversando com as pessoas, mas quando me dou conta, estou sozinho, sorrindo pro nada igual um idiota. Eu sinto constante vontade de morrer. Não sei o por quê disso; desse blog que ninguém faz questão de ler, das minhas redes sociais (que de sociais não tem nada) que as pessoas pouco se importam. Na real, quem se importa? Quem se importa comigo se nem eu mesmo me importo? Tô cansado de viver e meu passado ser um fardo muito pesado, que eu tenho que acordar, me olhar no espelho e viver tudo novamente. Eu apenas estou cansado, e estou desistindo. Cansei da dor forte no peito, do vazio do meu ser, das crises fortes de depressão, do isolamento, das repentinas mudanças de humor, de ser um ex nóia, de estar sozinho em todas as batalhas, começando por acordar. Eu estou cansado. Eu já tentei tirar minha vida várias vezes, de várias formas diferentes,e até assim eu fracassei. Eu sou um fracassado que se auto mutila pra sentir o "rush", a adrenalina da dor. A dor é meu asilo. Ela me fode e me conforta. Ela me seduz, depois me fere, como besta fera em teu fero profundo. Me fere de forma totalmente feia e brutal. Eu sou auto destrutivo e destruo tudo que está ao meu redor. Eu sou o fracasso. Eu sou a dor.

Saturday, February 01, 2020

Prevenção de Suicídio/Suicide Prevention

BRASIL

Ligue para 188 de qualquer lugar do Brasil e fale com voluntários que atendem 24h por dia.
Ou entre no site www.cvv.org.br para mandar um e-mail ou fale no chat:
Segunda a quinta-feira das 9h às 1h
Sexta feira das 15h às 23h
Sábados das 18h às 1h
Domingo das 19h às 1h
*SERVIÇO TOTALMENTE GRATUITO*

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UNITED STATES                                                                                                                              

The Lifeline provides 24/7, free and confidential support for people in distress, prevention and crisis resources for you or your loved ones, and best practices for professionals.
1-800-273-8255
Visit the site:
www.nationalsuicidepreventionlifeline.org
*SERVICES ARE TOTALLY FREE*

Monday, January 27, 2020

Dia Ordinário

 Fazia frio, chovia e era madrugada. Eu rastejava pela sarjeta com muita dificuldade, devido aos maus tratos das drogas. De longe, um vulto fantasmagórico. De perto, um ser totalmente desfigurado pelo crack. Ia me aproximando do boteco, que de longe cheirava forte a urina, e os alcoólatras me enxergavam como um monstro (O crack é muito julgado por outros usuários de drogas, mas a devastação das outras drogas são bastante semelhantes). Encharcado na porta daquele boteco, tocava Facção Central: "Desculpa mãe pela dor de me ver fumando pedra, pela Glock na gaveta, pelo gambé pulando a janela". Bem lá no âmago, no íntimo do meu ser, eu chorava forte; forte como a chuva que caía, mas por fora, era duro; duro como pedra, igual às que eu carregava nos bolsos.
 Eu olhava para os piores tipo de pessoa, e me sentia um merda perto delas (Também, com tantos anos nas ruas, overdoses, abandono, esquecimento, espancamento e estupro na infância, como é que eu iria me sentir melhor?). Aquele boteco quente e meio escuro, cheio de sombras me trazia dor, ao mesmo tempo, prazer. Mendigava uma pinga pra afogar meus desprazeres e anseios, mas acabava embargando o pouquíssimo resto de caráter que havia me sobrado. Arrumava um lugar próximo  àquele banheiro nojento para sentar, ficava totalmente bêbado, hipnotizado pela tela daquelas malditas máquinas caça-níquel, observando o dinheiro entrar e nunca sair (Foda-se, não eram meus poucos trocados roubados mesmo!). Do meu lado, bandidos armados até o pescoço se acabavam no pó e no álcool, com olhares maldosos, atirando uma sensação de violência para todas as sombras que permaneciam ali. De longe, eu observava a chuva, e esperava ela acabar para poder secar as bitucas de cigarro da rua com meu amigo isqueiro (Aquele que todo o nóia tem). A madrugada ia subindo, e aquele sentimento ameaçador ia crescendo de duas maneiras: daquela que eu sentia, e daquela que eu transmitia.
 A chuva ia parando, eu saia na garoa, fumava um mesclado debaixo do gotejo, esperando amanhecer para eu buscar minha última pedra (ou não) e ir dormir em algum lugar seco, para poder, no outro dia, começar tudo novamente.

Tuesday, January 21, 2020

Verão

 Rasteiros olhares que vagarosamente varrem paisagens com teus cílios, espelhando o verão com violetas crepúsculos e as paredes amarelo-alaranjadas do solstício austral. E quando noite cai, é soteiro, lúgubre, o estio e o olhar abismal que lágrimas enxurram pela moldura ressecada da janela d`alma, que em cascatas e rios refletem teus pares, e no afoito sopro da espontaneidade, na difluência astral inconsequente, as brisas bonadas desfazem-se em gotejo. Mas frente a mim não sei quem sou. Respiro, balbucio, cólera sucinto, e na mais escura das horas tudo se torna cegueira e gelo. O verão se apaga, as arestas do tempo cortam os dias. Só há penumbra e um vento que sopra com violência para trás tudo o que meu olhar tenta alcançar. Já não existem dálias nem crisântemos. Já não existem beijos nem seio quente, só um desfigurado presente e as migalhas da miséria no eterno outono acinzentado.

Sunday, January 05, 2020

Caminho da biqueira

 Com as pernas em carne viva, me arrastava de uma biqueira a outra procurando minha cova. Era um morto vivo. Fazia frio, era madrugada, chovia, e eu estava sozinho. Não havia deus. Nunca houve. Somente raspas de crack no meu cachimbo, e algumas bitucas no meu bolso rasgado. Bêbado, eu rastejava com o tênis furado pela grande São Paulo, em busca de uma fagulha de brisa que a droga pudesse me ascender. Em busca de uma luz; a luz que meu isqueiro fazia enquanto eu dava uma paulada no crack em um beco fedido e escuro. De longe, parecia um vagalume dançando no sombrio, mas de perto, era só mais um nóia marginalizado, tão irreconhecível  quanto um corpo mutilado. As pessoas que se arriscavam ir e vir, me olhavam com desprezo. Me olhavam com uma lâmina nos olhos, me perfurando de nojo. Esse era o maldito caminho da biqueira.
 Eu ia comprar minhas drogas com dinheiro roubado, ou vendia algum pertence de casa, e me permitia seer humilhado pelos traficantes por uma pedra de crack, ou um pino de cocaína. Eu era roubado na biqueira, era chamado de sujo, de viciado, tudo por causa da maldita abstinência, que escalava como um monstro dentro de mim. Buscava as drogas e me escondia no escuro para queimar as maiores de minhas ânsias. Me escondia nas sombras, como um ser disforme que temia a luz e o contato humano. A noite ia se desfazendo, as garrafas iam secando,e tudo o que eu queria era usar mais uma, mendigar por mais uma, ou mais, assaltar mais alguém por mais uma, me prostituir por mais uma, vontade de cometer suicídio, ou mais, vontade de morrer de overdose. 4h15 da manhã, a chuva lavando a cidade, e eu mijado, buscando um abrigo para agonizar com minha rebordose, para chorar de abstinência, esperar o efeito das drogas sumirem, a cidade secar, amanhecer, e eu, cansado (e da vida também) (vida? Que vida?) ir dormir (e talvez não acordar mais).

Sunday, May 26, 2019

Morto

  Um vento hostil que varria da face a vividez soprava naquele beco, frente a via em que eu me rastejava perante a sociedade da qual eu não fazia parte, somente para esmolar um cigarro qualquer que calasse a ânsia que escalava aos prantos dentro de mim. Apenas visto e jamais enxergado, recolhia meu corpo livido da calçada para o brumoso beco novamente. Febril e cego pela fumaça, deixava-me levar pelas verminosas palavras daqueles corpos putrefatos que me rondavam.
Com a morte em minhas mãos e bolsos, caminhava cego ao desfiladeiro do inferno para despencar no calor destrutivo da insanidade, mas acabava caindo rapidamente no gelado vácuo da realidade, onde palpável eram os devaneios da minha condição mental. Meu nível etílico estava tão alto quanto o álcool poderia me levar. O crack subia a mente, a cocaína descia a garganta, e eu cada vez mais demente. O sangue coagulado por todo meu nariz, as mãos imundas como meu caráter, as pernas em carne viva de tanto andar em círculos, neurótico, o giroflex das viaturas refletindo no suor do meu rosto; parecia um quadro de horror. A noite se rasgava e aos poucos os mortos voltavam para as suas covas, e eu me debatendo dentro da minha, sufocado pelo vazio que havia me enterrado.

Saturday, March 04, 2017

Uso em uso

Naquele entardecer violento, onde o crepúsculo parecia chamas de um céu em guerra, trepidava eu até a biqueira por mais alguns riscos doentios de cocaína.
É como se o diabo esfolasse minha cara, e tudo que eu sentira fosse torpor. Parece que é de fora, mas os vermes vem de dentro para extirpar as entranhas. É mais do que um maldito comichão que me coloca à rastejar no asfalto quente da grandiosa metrópole, que engole a si própria, faminta por alienação.
Esgueirando dos muros, postes e guias, vou eu, lentamente em direção à minha sina. Olhando de fora, parece bem mais atraente atirar na própria cabeça, ou atar o nó perfeito para enforcar a vida sorrateira que a aleatoriedade do universo me concedeu. Mas pouco a pouco é que eu vou morrendo, mais rápido do que a vida em si poderia dirigir. Meu suicídio é de dose em dose, trago em trago, tiro em tiro, pico em pico, pílula em pílula...
Naquele entardecer violento, eu entupi minha cara e meu ego com cocaína. Pouco a pouco eu fui entender que, lentamente, minha vida vai escorrendo bem mais rápido pelo bueiro hoje (resquícios de uso em uso).
Aquele céu de guerra já não mais me interessa, mas o vislumbre das chamas pintando com horror as nuvens, de segundo em segundo, ainda me machuca.

Monday, August 15, 2016

Quase...

Eu nasci bem próximo de ser rico.
Nasci na favela do Real Parque. Bairro divisa com o Morumbi; um dos bairros mais ricos da América Latina.
Toda a minha vida vivi entre bordas, contrastes e divisas. Eu fui sempre um "quase" nos capítulos diários de uma vida condenada ao "por um fio" ; ao incompleto.
Antes de tudo, quando se vive em cima do muro sendo um "quase", existe uma regra básica que se aplica até aos mais desprovidos de cônscio, cujo não não tem nenhum resquício de senso crítico:
"Enquanto poucos tem bastante, muitos não tem nada".
Eu digo que não há necessidade de cônscio, pois quem percebe é quem tem sentidos. A pele que passa o dia lavando vidros no farol, debaixo de 35*C, sente. O nariz que passa o dia sobre o tanque inalando água sanitária, sente.
Eu tive senso crítico, tive meus olhos, literalmente e de base analógica desfrutando inocentemente das vulgares imagens dos bastidores da minha vida.
Senti nos ouvidos o choro da minha mãe pós estuprada, a dor de não querer existir, e dos imensos boletos bancários que a mantinham obrigatoriamente viva por sentir a obrigação de fazer de dois moleques marginalizados, homens com capacidade de não somente mudarem a si mesmos, mas mudar tudo ao seu redor.
Porém, sentir na pele, sem observações pseudointelectuais de um moleque de 16 anos, doeu no íntimo, literalmente, por todas as vezes em que eu queimava os dedos nas chamas dos isqueiros, fumando crack, quando meus lábios rachados pela fissura (nos dois sentidos) secreçavam pus; quando meu estômago se contraia e eu vomitava o amarelo da bílis nas crises de abstinência; quando recebia coturnadas da polícia facista nas costas, e coronhadas na cabeça; quando meu nariz jorrava sangue de tanta cocaína...
Eu quase não seria um frustrado, se não tivesse sido espancado aos 3 anos. Eu quase teria sido mais um número na FEBEM comendo marmita azeda se eu não tivesse brecado a facada no peito do pai estuprador, aos 10, enquanto ele dormia bêbado e mijado. Eu quase não teria sido um viciado se não fosse tão normal ser um alcoolatra dentro da "família". Eu quase pude ser um adolescente com experiências sexuais até "divertidas", se eu não estivesse me prostituindo em troca de bebida barata para uma velha pedófila.
Eu quase pude ter um grande amor chamado "CB", se a vontade de beija-la tivesse sido maior do que a vontade de beijar um cachimbo cheio de cinzas. Eu quase rodei no tráfico, quando a PM invadiu a biqueira onde eu estava prestes a entrar pra comprar 15g de cocaína pros playboys que se divertem com o produto que meninas de 15 anos esconderam na vagina pra ter arroz e feijão no fogão. Eu quase fui baleado por fuzil mais de 30 vezes, se não fosse a porra do vício que me tornou sub-humano, a ponto dos porcos fardados acharem que uma bala valia mais que minha vida imunda.
Eu poderia não estar escrevendo agora, se as balas não tivessem passado de raspão, se eu não tivesse corrido o suficiente, se eu não soubesse me esconder, ou se eu não tivesse me dado a oportunidade de mudar, onde o "quase" não existe.

Friday, July 03, 2015

Black Tar Heroin - The Dark End Of The Street (Full Length)

https://www.youtube.com/watch?v=3RvyDHhGLs0

Epígrafe

EPÍGRAFE

Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugia e como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
- Esta pouca cinza fria.

Manuel Bandeira    -    1917

Saturday, May 09, 2015

Carinho

O quão devastador foi me drogar e assistir quase que em câmera lenta a adicção roubando meus amigos, família e até mesmo, inimigos. Não houveram flertes, namoros, sorrisos, bailes, danças, cartas, abraços ou afeto.
Eu vim de um cinza que me tomou no colo assim quando criança. Meu pai bebia demais, agredia demais, estuprava demais e roubava demais para ser pai. Minha mãe, por obrigação, foi e é ausente.
Eu tive que ser pai do meu irmão. Coloca-lo para dormir, fazer sua comida, leva-lo para a escola, ensina-lo a fazer seu deveres escolares, ajuda-lo a escovar seus dentes, para quando ele crescesse, sequestrasse um playboy e enfiasse um oitão no rosto de uma grávida chamando-a sem dó e nem remorso de vaca burguesa. Nunca fomos amigos. Ele assaltante, sequestrador e traficante, e eu, nóia. Esquecemos nosso parentesco quando escolhemos ser homenes cada um de sua maneira. Eu não pude ser criança. O tempo meu foi abnegado pelas exigências de um adulto ausente.
O que eu realmente quero dizer é que dos carinhos, não os tive. Cresci seco e aprendi da maneira mais difícil. Cresci batendo e apanhando na rua, mas sempre apanhando dentro de casa.
Do homem casado com a minha mãe, nunca carinho. Hoje eu me pergunto, quantos quilates tem um abraço de pai?
Foi tudo combustível que queimou pra eu vagar sozinho e quase que descalço pela cidade floreada de pixos e o adorno que eram as descascas dos prédios velhos da SP que me adotara.
Eu era filho das ruas. Carinhos eu nunca tive.
Amor?
Eram duas moscas acasalando em cima de um cachorro morto na boca do lixo enquanto eu fumava pedra aos 17.

Saturday, January 17, 2015

The right of choose

Choose enemies
Choose dealing drugs
Choose beat in your wife's face
Choose be kicked in the face by a cop
Choose dirty needles
Choose teach kids how to smoke crack
Choose sell your body for a bag of  cocaine
Choose be arrested pregnant
Choose buy drugs spun in jail
Choose a fucking big pipe full of meth
Choose hide guns under your children's bed
Choose get drunk and vomit your guts
Choose sleep with rats on the streets
Choose suck cocks for five bucks
Choose try suicide every fucking night
Choose heroin overdose
Choose be dead still alive
Choose choke with your own blood
Choose shoot someone in a robbery
Choose death

Wednesday, January 14, 2015

1996

Quando a vida perdeu o colorido da tenra idade e ganhou tons nublados de maldade. As más lembranças pareciam sombras que estavam sempre a me perseguir toda vez que a onerosa claridade dos dias batiam em meus ombros.
Eu havia morrido por dentro. Por fora carregava o fardo pesado de não mais desejar viver. No espelho, o espectro de nove anos não enxergava identidade própria, somente de bem distante, alguns próprios traços escorrendo da imagem borrada e disforme de um ser já irreconhecível.
Na boca um gosto amargo; terroso, de quem regou os vasos da própria dor, sem enxergar quais eram as flores nos sepulcros dos olhos que se enterravam na vastidão do escuro daquele quarto.
Aquele quarto. Esse quarto. O mesmo em que me encontro agora, sentindo o vento gelado da manhã aquerôntica e ouvindo a exata rotação do diâmetro dos pneus trabalhando sobre o asfalto encharcado pela tortuosa e embriagada noite tempestuosa passada.
O passado é uma nuvem negra e carregada de tempestades. Dentro do contínuo espaço - tempo, elas parecem tão presentes ou adiantadas quanto um instante dentro de uma gota, prestes a colidir com as outras gotas que colidiram de antemão com o solo.
Perante o histórico de violência que eu tinha antes dos nove, hoje é fácil identificar que as turbulências estavam um passo depois do começo das frustrações de mais um dia invalidado pela minha incapacidade de me associar com o mundo.
A inocência que eu tinha em acreditar que eu poderia encontrar paz em um mundo que não era meu, foi a mesma inocência que me fez acreditar que eu poderia, pelo menos um dia, conhecer a paz dentro do lar, começando pelo meu pai.
Em meus pensamentos nebulosos, aquele dia foi como a teoria do big bang, onde a maldade que era matéria passou a predominar sobre a antimatéria, e o ódio passou a se expandir em escala universal.
Tolo eu em não compreender que estava prestes a vaguear pelos mesmos vastos campos dos olhos úmidos e sem direção que minha mãe traçou sinuosamente no vácuo da própria vida.
Entorpecido pelo sentimento pequeno de fé, acreditava eu poder movimentar todas as estruturas tortas dos alicerces da minha família. Acreditava que poderia moldar novamente as rachaduras do mais trincado pilar que nada assentava.
Meu pai.
Tudo que eu sei sobre ele é que ele era um alcoolatra covarde e violento, cuja mão de polidor de peças era tão pesada quanto a mão do destino que escreveu minha história. Não que eu acredite em destino, mas era com esse mesmo inconsciente que eu carregava fé, também na infância.
Todas as madrugadas, as maciças paredes concretas entre o quarto da minha mãe e o meu pareciam se tornar paredes de papel, transparentes para os ouvidos. Todas as madrugas eu me encolhia debaixo do cobertor quando chegava ele; bêbado, fedendo, violento e cheio de ódio.
Eu me sentia um covarde por não ser forte o suficiente para tentar impedir ele de bater na minha mãe. Todas as madrugadas eu escutava o murmúrio de piedade da minha mãe, após horas de abuso. Eu realmente acreditava que a fé poderia mudar um homem de 40 anos de remorso. Mudar toda a arquitetura dos seus pensamentos frios e obstinados de violência covarde contra duas crianças com menos de dez anos e uma esposa que o sustentava como dever, enquanto eu o assistia roubando a bolsa dela.
Eu abracei a rasteira fábula que  esguiava minhas crenças infantis, fazendo meus sonhos de ter um pai herói se debaterem no chão como uma ave decapitada. E dos portões daquele sorriso maligno aberto, vinham como cães raivosos as palavras delicadas "vem deitar com o papai hoje".
A madrugada, tão escura quanto a mente dele, arrebatou impetuosamente nove anos de ingenuidade.
Esse foi o dia em que o vilão venceu e eu enterrei minha infância.

Monday, December 08, 2014

O pouco que me restava

Diante de mim não havia nada, a não ser o pouco que me restava para nada ser e os segundos desgarrados do meu tempo de viver.
Fugiam os grãos das minhas mãos como pássaros que nunca tinham visto o mundo, e por detrás das barras das gaiolas do relógio, se desprendiam de mim para que não se deixassem levar pelos ventos que precediam bem distantes a tempestade que em mim se manifestava. O tempo era pouco, os minutos corriam como cavalos de areia de ampulheta, apressando-se para bem distante, arrastando carruagens velhas de lembranças incompletas e cadáveres de antigas expectativas de um adolescente primitivo, abraçando as gotas da minha chuva, edificando a morte; estreita entre eu e a calçada que me dava colo quando não podia eu ficar de pé para enchergar o horizonte griso e revolto que me assediava.
Era um flerte constante entre o vácuo da morte e o infrutífero campo seco dos meus olhos sem reflexo. Estava ela, a morte, intensamente obcecada pela criança suja, rasgada aos trapos da desesperança.
Existir parecia ser egoísmo. Ocupar espaço em um mundo onde as pessoas disputam cada centímetro. E lá estava eu estirado... o vabundo esperando a dama luto, ríspida e áspera aos olhos alheios. Suave e encantadora, resplandecia sua face perante a minha, exibindo seu escuro como cor de batalha que travava eu com a droga, em uma guerra incessante entre quem consumia quem.
No carnífice sorriso de quem me aguardava, repousando sua pujança onerosa na espádua minha, açoitada pelas garras da vida, rastejava sua sombra, circundando meu cadáver vivo. Então apostava eu novamente no milésimo que anteciparia minha jogada, arrastando meu nariz naquela quilométrica carreira de 15cm, dando um pulso a mais no coração desistente que me habitava.
Novamente sorria a morte, rachando o asfalto, aguardando meu ser com um sustentáculo ósseo, e de alicerce, a certeza universal de que nos braços me carregaria morto como me carregou no ventre minha mãe, enquanto eu ainda podia sentir a vida encharcar minhas veias com sangue limpo. 
Eu engasgava, babava e regurgitava o gozar das últimas palavras emaranhadas na saliva da minha boca. Era um adeus.
Um adeus que não se cumpriu pela espontaneidade que meu corpo respondeu ao que eu achei ser minha última dose de cocaína.
E lá estava eu, estirado na calçada, roubando os centímetros de cada méritocrata que me perfurava com seus olhos cheios de veneno e repúdio nas pontas.
Que mais podia eu fazer se a certeza universal da morte havia me errado pelo milésimo em que eu virei pra cheirar a carreira em que eu apostei ser a última?

Thursday, November 27, 2014

3

Chorei
Gritei
Me magoei
Me frustrei
Perdi
Caí
Me apoiei
Levantei
Caminhei
Andei
Corri
Cheguei
Conquistei
Aprendi
Me fortaleci
Venci e fiquei limpo

3 anos. 

Sunday, November 23, 2014

Lírios aos rebeldes que falharam

Sepulcral era o silêncio que dizimava palavras em sua boca, horas depois exumadas em murmúrios desapercebidos que voavam invisivelmente como pó no vento do profundo esquecimento. Sua existência não era desapercebida, porém, também não lembrada. Como uma estátua em decadência à ser tombada pelas drogas; rebeldes dominantes, o laçavam para lançar seus pedaços ao chão, como escravagistas da pobreza natural de cada migalha do seu corpo.
Há tempos enxergava ele, em cada placa, em cada letreiro, em cada muro, em cada pixação, em cada poça d'água, em cada nuvem, em cada olhar, em cada movimento, um subliminar umbroso que o guiava ao padecimento sequioso de sua entidade e à penúria do cônscio deslembrado. Sinais os seus, tão evidentes para o mundo quanto era evidente o íntimo dos símbolos à penumbra de sua própria visão.
O que nos atava, além do nó de duas marionetes entrelaçadas pelo vício, era o halo do exílio da associação invasiva que a obrigatoriedade das funções sociais exigiam. Éramos nós contra o mundo.
Em alto volume, como quem não queria ouvir seus próprios pensamentos, porém expressando uma realidade inevitável, tocava Tupac em seu stereo, justamente quando a sombra minha invadia pela manhã o seu apartamento, antes do meu corpo, rastejando pela fenda, debaixo da porta, seguida pelo amontoado ser disforme escorado no batente.

"Wake up in the morning and I ask myself, Is life worth living?
Should I blast myself?"

Sarcasticamente ecoava pelo vazio apartamento, contando conosco dentro.
Uma garrafa de uma bebida vagabunda, alguns baseados e uma sacada do 12° andar com alguns pés de maconha foram o suficiente para que ele extraísse o sumo amargo do próprio cônscio debilitado, olhando fixamente da sacada para o térreo, deixando respingar a frase que despencava de lá de cima "Toda vez que eu olho para baixo, sinto vontade de pular", e tapou sua boca com um gole de bebida, deixando o silêncio de uma confissão tomar conta do calor do meu corpo, fazendo de mim uma estátua de gelo, assim como ele, à desmoronar pelo calor do irrelevante brilho da manhã.
Sua mãe o internou em uma clínica de reabilitação, e eu, com a convicção de suas palavras cravadas em meu peito, escrevi uma carta de consolo, de excluso para excluso, na tentativa de esboçar no papel, meu opaco para sua escuridão, dividindo a luz da esperança como se divide um fóton.
Dois meses se passaram e eu ainda tinha a carta dentro de uma gaveta, coberta por embalagens de drogas e promessas. Finalmente saia ele da reclusão.
Pude conceber a expectativa de consertar o erro de nunca ter lhe enviado aquela carta cheia de identificações, corrigindo com um abraço o tempo em que não pudemos consolar um ao outro compartilhando histórias, dores, drogas...
Me disseram que o viram de costas passando pelo edifício onde morava. Eu estava a espera do meu parceiro de dores e drogas, ansioso, com o brilho do halo que nos unia.
Sexta-feira, 17 de abril de 2008, aproximadamente 10h da manhã, meu pai me acorda depois de uma madrugada perturbada, de desentendimentos entre eu e eu. Era um cara na linha que disse "mano, tá ligado o Hart? Ele morreu". Eu desabei e me tornei tempestuoso enquanto o cara aguardava na linha. Ele disse que meu amigo havia cometido suicídio. Tinha se enforcado com uma das gravatas das quais fingiamos procurar emprego, no banheiro da própria casa. Ele havia me avisado. Eu levei a sério, mas imaginava que a carta que eu havia escrito poderia curar sua solidão até a próxima dose, onde encontraria ele, mesmo na dor, sua zona de conforto.
Eu velava meu amigo 7 dias antes do meu aniversário de 21 anos.
Sua semblante emitia serenidade, mas as marcas em seu pescoço exibiam o horror de seus últimos momentos... sua hora mais escura.
Seu caixão ia descendo até o profundo; imperscrutável questionamento que faziam as pessoas, em seguida, repousando no fundo da sua cova.
Antes da primeira pá de terra, lancei um lírio branco por cima do seu esquife de madeira, uma lágrima caiu e eu dei as costas para nunca mais nos vermos.
Usar ou não usar drogas doía na mesma intensidade pra ele. Mal compreendido pelos outros, mas não por mim.
A carta eu queimei.
As lembranças?
Eu guardei.

Monday, November 17, 2014

A não existência do ser

Uma ou duas linhas abaixo das margens da miséria vivia escondido como escombro; um ser despedaçado por detrás das sombras das próprias ruínas.
Ríspido com o próprio âmago, afogando as vozes mais baixas que se podia ouvir dentro da cabeça a fundo do abissal silencioso em que seus olhos flutuavam. Boiavam lá também as ruas e outras misérias.
Recluso, à si mesmo negava as chaves da liberdade e a luz da janela, que tapava com manto, seja véu ou medo, manto que obstruia até mesmo uma só partícula de luz.
Apesar de ter tantos desejos encarcerados, nada lá se podia encontrar. Era o vazio de uma mente cheia de nada e os ecos dos sonhos já mortos em suas minas.
Rastejava o ser com um pé na guia e outro na sarjeta, desajeitado mais do que era por natureza, locomovendo seu corpo lívido à lugar nenhum.
Era de se ter medo. Como o dono da rua e todos os becos e avenidas, banhava-se na madrugada, escorado nas estrelas, como quem tentava escalar as mais amedrontadoras cascatas agarrando pedras lisas e musgos.
O desespero de ir vagarosamente à lugar nenhum despertava um brilho medonho em seus olhos cegos, que rastejavam a procura das pontas dos cigarros e da esperança, enquanto afogava-se em seu próprio abismo desapercebidamente.
Os tambores batiam forte, como desespero de um coração fugitivo, junto ao descompasso da sua existência, fugitiva também, caminhavam lado a lado, passo a passo, para um só parecer.
Os metros transformavam-se em kilômetros, dando ênfase à infinitude do rastejar humilhante nos inférteis solos de concreto.
De longe via-se a mancha que sujava as paredes da antemanhã. Uma aberração tão assustada quanto podia assustar.
As horas iam passando e sua existência ia se dissipando a cada metro percorrido, desaparecendo no abraço da noite.
E naquele momento já não existia mais o ser, como já não existiam seus pensamentos. Apenas aquelas manchas que perduraram até o alvorecer, refletindo a existência de um ser que para si não existe.

Wednesday, November 12, 2014

O pivete cresceu

Para meus irmãos e irmãs que ficaram para trás,caídos nos trilhos,na corrida do trem da vida, deixo minha satisfação e sorrisos por boas lembranças, pois toda vez que chorei por eles, me afoguei em lágrimas, e a sabedoria que cada um deixou transformaram-se em um grande barco a velas, que foi soprado pelos ventos da mudança para um hoje jamais imaginado.
A vida é dura, porém não impossível.
Olho pra trás e vejo um moleque assustado dentro do mercado, com o bis dentro da manga da blusa doada, pra adoçar o amargo da vida.
Lembro do pivete que passou pela violência no lar, pelos abusos sexuais, pela vontade da roupa de marca, pelo ódio ao pai, pela vontade do suicídio.
Olho um pouco mais adiante e vejo o jovem frustrado no meio do mato com a lata na mão, dentro do barraco pegando cachimbo debaixo da cama,fumando farelo de crack, vendendo chinelo pra cheirar cocaína.
Lembro da fome e vergonha que tinha quando comia os restos de frango frito na praça do Shopping,da polenta murcha,do sangue na camisa, das coronhadas, dos Pastores Alemães no enquadro, dos tapas na cara, do vício, do corpo vendido, das bombas da PM, dos roubos, da mãe que chorava com a bíblia na mão...e hoje virou um homem que sobreviveu aos testes da vida, nota 10 em sobrevivência na rua.
Quando você sobrevive, começa a aprender, estudar, se armar com palavras. O SISTEMA GELA...vc quebra as algemas que os ditadores colocaram em você.
A vida toma forma...a luta é diária e necessária.
Um passo de cada vez, sem medo, foi o necessário para sair daquela detenção sem muros, celas sem grades.

Tuesday, November 11, 2014

Turn the lights on! (in Portuguese)

Faça-se a luz! 
E num riscar de isqueiro 
manifestavam-se  minhas obsessões, flutuantes em um entardecer transcendental, como silhuetas, sozinhas vagueavam para um emaranhado de sombras no abater do dia. Abraçado pelos muros úmidos da cidade acizentada, esvairecia do meu ser a essência que preenchia a lacuna de seus becos improvisados por um amontoado de casas, que em degradee, com tons de melancolia, borravam a rua desde o plúmbeo opaco dos blocos molhados e mal erguidos até a última matiz amadeirada do último barraco, de onde ainda se podia ver o lívido amarelo da luz do último poste luminescente ainda aceso. 
Talvez de longe, somente por alguns instantes, eu pudesse tomar uma forma clara novamente, diante daquele fascinante fulgor que dançava para o vento frio, como um vestido alaranjado tremulante, reluzente à noite. 
Rapidamente meus desejos derretiam como palavras que estalavam com imperativo tom que ia despindo a claridade do meu ser perante o olhar abissal do escuro. 
As ruas calavam-se como reféns da paisagem mórbida do subúrbio de São Paulo. Era tudo tão silencioso que meus passos pareciam ranger com voracidade para o vazio que devolvia em ecos selvagens a paranóia de ser perseguido pelo atrasado som que fazia o descolar do meu solado, batendo entre o chão de concreto queimado e a planta dos meus pés, gradativamente. 
Sentia ódio de mim memso por fazer daquela pequena chama as trevas daqueles poucos segundos que perdurariam como cárceres eternos de uma lúgubre vida. Temia aquele soturno breu desde os buracos dos meus sapatos até o limbo das minhas pupilas dilatadas. Então já não mais sabia se era noite ou se era o céu da manhã coberto pela fuligem. Eu me perdi dentro de mim. Entre toda aquela fumaça que me cegava, eu tinha apenas uma única certeza : seguir a maldita luz. 
Meus olhos varriam incessantemente o panorama por debaixo dos meus pés, naquele metro cúbico, entre um degrau e outro, deslizando as mãos até a limiar do campo acimentado, procurando resquícios do que em mim era latente, obducto em meus bolsos. 
Provavelmente, haviam em números nos meus bolsos mais pedras de crack do que eu tinha de idade. 
Quando eu tinha 7 anos, minha inocência  cantarolava sonhos para o meu obsoleto futuro. Enquanto eu desenhava com um pedaço de lápis quebrado em um papel amassado a família dos meus desejos, imaginava usar terno e gravata aos 20 anos, enquanto apertava os passos pela Avenida Paulista,sem rumo, simplesmente apressado e indiferente como todos os adultos. Logo meus sonhos eram interrompidos por socos vindo dos punhos grandes do meu pai, envoltos em uma mistura de tabaco barato e álcool, e as súplicas da minha mãe, mulher que vendeu a independência  pela tola promessa ilusória de um Martini com cereja. 
Mergulhado nas circunstâncias exteriores das minhas razões justificadas pelas frustrações de uma infância melancólica, frustrada e estarrecida,cada trago trazia à tona amargas lembranças. 
Aos 3 anos de idade eu era espancado pela babá. Com o corpo cheio de hematomas eu enfrentava a pré-escola submerso na frase "se você contar para alguém, mato você e seu irmão". Aos 5 anos comecei a tomar conhecimento das desavenças e do alcoolismo do meu pai, que desesperadamente minha mãe tentava esconder sem sucesso. Aos 7 anos eu era obrigado a me alcoolizar quase todas as noites nos rituais da religião dos familiares do meu pai. Aos 8 anos eu passava as madrugadas acordado, ouvindo do outro lado da parede o choro da minha mãe, enquanto meu pai à estuprava sem piedade a noite inteira. Aos 9 anos foi a minha vez de ser estuprado. No mesmo ano tentei suicídio, porém, sem sucesso. Aos 10 anos tentei esfaquear meu pai enquanto ele dormia, porém, também sem sucesso. Aos 12 anos, lentamente comecei a abandonar os estudos. Aos 13 eu comecei a usar drogas ilícitas. 
Caráter lapidado pelas frustrações na infância, cego pelo crack, os únicos sentimentos, claros como a velha chama ininterrupta eram o ódio e a dor. 
Próximo dos meus 18 anos, que passaram como 18 séculos, ainda sofria calado, ouvindo os gritos de desesperança e agonia dentro da minha cabeça. 
Enquanto bêbado, quebrava as pedras de crack com os dentes e o outro viciado do meu lado esticava um guardanapo de bar, cheio de marcas de dedos sujos enquanto o preenchia com maconha mofada. 
Só de pensar em não fumar eu sentia náusea. Dentro das crises de vômito, minhas alucinações esquizofrênicas misturadas com a realidade que me circulava, sussuravam que eu provavelmente morreria alvejado por um policial da Ronda Ostensiva, extremista de direita, frustrado por não enclausurar viciados em cubículo de 3 metros de altura por 3 metros de comprimento e se divertir alimentando o seu sadismo de me ver sangrando no fundo de uma cela cheia de tuberculosos. 
Eu não conseguia fracionar o tempo entre um chewy com 4 pedras de crack e outro. O ar era denso, o clima tenso, a fumaça era prateada. Incessantemente segurando a respiração entre um trago e outro, extinguindo o tempo estritamente, enquanto preparava mais um chewy com 4 pedras, aguardando sem saber se estaria vivo, apenas para fumar todas as bitucas de chewy em um cachimbo, a caminho do ponto de tráfico pra comprar mais drogas com dinheiro roubado. Essas eram as minhas preocupações, enquanto me drogava ferozmente, com a obsessão de um carnívoro dilacerando sua árdua caça. 
Tudo acontecia tão rápido. O escuro ficava mais escuro. Eu estava morto antes mesmo de eu não sentir quse nada. Sentindo frio em uma noite de 26° C. Meu rosto, um rosto sem expressão ia se perdendo dentro de um espelho interior, sem reflexo. Senti a última batida do coração, depois o frio do campo de concreto queimado. Após um tempo indeterminado, uma pulsação. Recoberto por uma lucidez atormentante, visualizei apenas aquele viciado fumando todo meu crack enquanto eu apagava mais uma vez. Sem a ajuda de ninguém, me recobrei de uma overdose como um cadáver que arriscava viver novamente. 
Ali eu pude deduzir que não havia nada, a não ser o pouco que me restava para nada ser. Me levantei e saí arrastando os pés pelo asfalto, no sentido mais escuro da rua. 
O medo de caminhar pela luz não era simplesmente por não querer enfrentar diante da própria luz uma realidade há muito explícita, mas implicitamente era o medo do contraste que tinha entre a claridade do exterior o brumo do meu interior. 
23h50. Recobrando a consciência com um copo de conhaque para novamente ser o deus do meu desprezível mundo e refazer incansavelmente a luz que se extingue todos os dias dentro dele.

Turn the lights on!

As I ignite the lighter my obsessions manifested, floating in a transcendental eventide, like silhouettes, they wandered alone to a tangle of shadows in the sunrise. Embraced by the humid walls of this grayish city, the essence that filled the gaps of the improvised alleys in a pile of homes was vanished from my body which, with shades of melancholy, blurred the street from the opaque grey of the wet stones until the last wood hue of that last shack, where you still could see the pale yellow of light in the last lighted lamp post.

Maybe by far, only for a few moments, I could get myself clear again, under that fascinating brightness that slipped to the cold wind, like a fluttering orange dress, glowing at night.

My desires quickly melted as words that broke down in an imperative mood stripping the brightness of my being to the abyssal sight of the dark.

The streets were silent just like hostages of the morbid landscape of São Paulo suburbia. It was all so quiet that my footsteps seemed to creak voracious into the emptiness that gave back in wild echoes that paranoia of being chased by the noise of my sole hitting the floor between the burned concrete and the plant of my feet, gradually.

I felt hatred of myself for making that little flame turn into the darkness of those few seconds that would last like a death penalty of a lurid life. I feared that dark pitch from the holes in my shoes to the limbo of my dilated pupils. Then, I did not know whether it was night or if it was the morning sky covered by soot. I felt lost inside myself. In the middle of all that smoke which made me blind, I was sure about one only thing: I had to follow that damn light.

My eyes incessantly scanned the scenery under my feet, at that empty space, between each step, sliding my hands up to the threshold of that cement field, looking for remnants of what was latent on me, hidden in my pockets.

Probably, I had more crack rocks in my pockets than I had of age.

When I was 7 years old, my innocence hummed dreams for my obsolete future. While I was drawing with a piece of broken pencil in a crumpled paper the family of my dreams, I imagined myself by 20 years old wearing a suit, walking fast on the rhythm of the steps that walked by the Paulista Avenue, aimlessly, just simply rushed and indifferent as everyone else. Soon, my dreams were interrupted by punches coming from my dad's big fists, wrapped in a mixture of cheap tobacco and alcohol, and the prayers of my mother, a woman who sold his independence for some silly illusory promise of a cherry Martini.

I was drown in the external circumstances of my reasons justified by the frustration of a melancholic childhood, frustrated and terrified, each hit of smoke brought up bitter memories.

At 3 years old, I was beaten by the babysitter. With my body full of bruises, I faced preschool submerged in that sentence "If you tell anyone, I'm going to kill you and your brother".  When I was 5, I started to notice the disagreements of my father's alcoholism issue, which my mother desperately tried to hide without success. At the age of 7, I was obliged to drink almost every night in the religion rituals with my father's relatives. At 8 years old, I spent the night awake, listening to my mother’s crying while my dad raped her all night in the other side of the wall without mercy. When I was 9, it was my turn to be raped. In that same year I tried to kill myself, but I had no success. At the age of 10, I tried to stab my father while he was sleeping. However, I had no success again. When I was 12 years old, I slowly started to quit school. And At the age of 13, I started taking illegal drugs.

My personality was broken by the frustrations I had in my childhood, blinded by crack, the only feelings, as clear as that old uninterrupted flame, was the hate and the pain.

When I was about to turn 18 years old, which lasted as if they were 18 centuries, I still suffered quiet, listening to the cries of despair and agony inside my head.

Once, when I was drunk, I broke some crack rocks with my teeth and another addicted by my side was rolling a joint with his dirty fingers and filling it with moldy weed.

Just wondering of having to stop smoking, I felt nausea. Along the vomiting attacks, my schizophrenic hallucinations were mixed with the reality that surrounded me, whispering that I'd probably die by a cop shot gun, right-wing extremist, frustrated for not mewing addicts in a cage 3 feet tall by 3 feet long and having fun feeding his sadism by watching me bleeding down in a jail full of tuberculosis diseased.

I couldn’t barely count the time from the moment I had a 4 crack rocks chewy to the next time. The air was dense, the atmosphere was tense and the smoke was silver. On and on, holding the breath between each hit of smoke, extinguishing time strictly, while I prepared one more 4 rocks chewy, waiting unaware I was alive, only led by the cravings to hit all the smoke of a chewy pipe, heading to the dealers spot to buy more drugs with stolen money. Those were my concerns, when I got myself high, with the obsession of a carnivore animal ripping his arduous game/hunting.
It all happened so fast. The dark became even darker. I was dead even before feeling nothing. I was feeling cold on a 79°F night. My face, a face without any expression was getting lost inside a mirror, without reflection. I felt the last beat of my heart, and later on I felt the cold of this burned concrete field. After quite a time, a pulse. Covered by a astonishing sobriety, I only visualized that fucking addict smoking all my crack while I nodded off one more time. Helpless, I recovered myself from a overdose just like a corpse fighting to live again. 
There I could guess that there was nothing, but the few remainings that was left for me to be anything. I stood up and went off dragging my feet on the asphalt into the darkest side of the street. 
The fear of walking on the light was not just for not having to face the reality, but it was also due to the fear of the contrast between the external clarity and my internal murkiness. 
11:50 PM. I recovered my mind with a liquour shot to be, one more time, the God of my miserable world and restless remake the lights that turn off everyday.

Monday, November 10, 2014

Sussurros passivos

Longínquo, um sussurro deixava à ecoar em meus ouvidos, soluçando, a sentença: "comporte - se como um bom garoto, não fale pela abstinência... eles podem te ouvir"
Eu não podia comprometer meus valiosos 5 intensos minutos flutuando nas nuvens da fumaça do crack gritando ou me debatendo.
Me abster da presença alheia garantia bons frutos podres em uma vasta colheita naquele campo vazio.
Os solos inférteis do meu eu interior cansavam sonhos, que vagarosamente caminhavam sobre o rasteiro lamaçal feito de areia de tempo perdido e prantos. Confrontando minhas máculas no reflexo das poças d'água nos meu olhos, sabia que o silêncio era minha prisão, como a passividade de quem se cala por obrigação ou não, porém, inversamente proporcional ao mais próximo passo do abismo. Quanto menor a euforia, maior a expectativa real de uma queda quase que eterna, se não fosse pela morte/Quanto maior a euforia, menor a expectativa real de morrer antes da queda.
O silêncio não era medo, era a passividade de quem é escravo daquilo que ama (depende). Também era tristeza. Uma tristeza em que os músculos da face desistem de se contrair por vontade própria , tornando a expressão tão morta quanto a própria idéia de estar morto.
O que mais poderia eu fazer além de enterrar falsos sorrisos amarelados nas covas sujas do meu rosto?
Talvez fazer não como o Luso dos 1000 nomes e edificar dramas encaixando estrofe sobre estrofe, mas eternizar em rabiscos o meu ser nas paredes externas da realidade.
O silêncio não é só silêncio por ser mudo; é silêncio por ser o sussurro que só eu escuto, o soluço que só a mim atormenta ininterruptamente.

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