Monday, January 27, 2020

Dia Ordinário

 Fazia frio, chovia e era madrugada. Eu rastejava pela sarjeta com muita dificuldade, devido aos maus tratos das drogas. De longe, um vulto fantasmagórico. De perto, um ser totalmente desfigurado pelo crack. Ia me aproximando do boteco, que de longe cheirava forte a urina, e os alcoólatras me enxergavam como um monstro (O crack é muito julgado por outros usuários de drogas, mas a devastação das outras drogas são bastante semelhantes). Encharcado na porta daquele boteco, tocava Facção Central: "Desculpa mãe pela dor de me ver fumando pedra, pela Glock na gaveta, pelo gambé pulando a janela". Bem lá no âmago, no íntimo do meu ser, eu chorava forte; forte como a chuva que caía, mas por fora, era duro; duro como pedra, igual às que eu carregava nos bolsos.
 Eu olhava para os piores tipo de pessoa, e me sentia um merda perto delas (Também, com tantos anos nas ruas, overdoses, abandono, esquecimento, espancamento e estupro na infância, como é que eu iria me sentir melhor?). Aquele boteco quente e meio escuro, cheio de sombras me trazia dor, ao mesmo tempo, prazer. Mendigava uma pinga pra afogar meus desprazeres e anseios, mas acabava embargando o pouquíssimo resto de caráter que havia me sobrado. Arrumava um lugar próximo  àquele banheiro nojento para sentar, ficava totalmente bêbado, hipnotizado pela tela daquelas malditas máquinas caça-níquel, observando o dinheiro entrar e nunca sair (Foda-se, não eram meus poucos trocados roubados mesmo!). Do meu lado, bandidos armados até o pescoço se acabavam no pó e no álcool, com olhares maldosos, atirando uma sensação de violência para todas as sombras que permaneciam ali. De longe, eu observava a chuva, e esperava ela acabar para poder secar as bitucas de cigarro da rua com meu amigo isqueiro (Aquele que todo o nóia tem). A madrugada ia subindo, e aquele sentimento ameaçador ia crescendo de duas maneiras: daquela que eu sentia, e daquela que eu transmitia.
 A chuva ia parando, eu saia na garoa, fumava um mesclado debaixo do gotejo, esperando amanhecer para eu buscar minha última pedra (ou não) e ir dormir em algum lugar seco, para poder, no outro dia, começar tudo novamente.

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