Tuesday, February 04, 2020

Domingo

 Domingo. Meados de 2004. Eu havia acabado de receber meu primeiro salário na fábrica em que eu havia acabado de começar a trabalhar. Saquei quase todo o dinheiro no banco e, num misto de ansiedade, desespero e abstinência de cocaína, saí na rua para encontrar alguns outro nóias pra torrar o dinheiro em álcool e drogas. Olhei para a minha esquerda, e lá estavam eles; os outros miseráveis que iriam fazer parte do meu plano diabólico. Dente e Yellow. Esses eram os outros dois nóias que eu (infelizmente) encontrei naquela tarde sepulcral de domingo. Eu cheguei perto dos dois, interrompi o assunto já gritando: "tô bonado, vamos dar uns tiros?". O Dente olhou felizão pra mim e respondeu: "só se for agora!". O Yellow (um ladrão bem mais velho) olhou pra mim e viu sua oportunidadede invocar teus demônios e disse: "vamos dar umas pauladas!". Eu pensei bem e disse que nunca o havia feito, e ele disse pra eu relaxar que estava suave e que era dahora. O Dente olhou com receio para nós e disse que não queria; que tava de boa e não queria noiar naquele barato (foda-se, sobra mais!). Eu e o Yellow pegamos um ônibus sentido Cohab Adventista, indo para a biqueira da Cinquenta, na frente de casa. Demos a multa no motorista, entramos por trás, sem pagar a condução e fomos sentido ao escuro brumoso. Eu não conhecia ninguém lá, e ele, todo mundo. Chegava gritando e cumprimentando todos os loucos da biqueira, e eu que não sou otário, aproveitei e cumprimentei todos os traficantes que estavam reunidos lá. Ele se encarregou de comprar as drogas com o meu dinheiro, e logo depois fomos sentido Vila Fundão pra usar nosso barato na quebrada. Compramos dez pedras de crack. Eu estava extasiado, era a minha primeira vez fumando pedra. Eu já sabia mais ou menos qual era a brisa que a droga dava, porque já tinha fumado muito free base (cocaína com maconha). Pegamos algumas latas de cerveja na conveniência do posto de gasolina e fomos para o escadão da Grisson usar as latas que já vazias na metade do caminho como cachimbo. Eu não sabia como fumar, o Yellow, malandro vivido, tinha as manhas e me ensinou:
*Amassar um lado da lata
*Tirar o anel da lata e rompe-lo no meio
*Fazer furos pequenos na lateral amassada da lata usando a ponta afiada do anel rompido
*Colocar cinza de cigarro em cima dos pequenos furos
*Colocar a pedra em cima da cinza de cigarro
*Acender, tragar e segurar a fumaça o máximo de tempo possível
*Soltar a fumaça e sentir a brisa estonteante daquele narcótico
 E nessa "brincadeira" se foram dez pedras de crack. Eu estava suando e meu coração estava à milhão, eu ficava na paranóia de estar sendo observado pela policia. Passamos no posto de gasolina novamente, pedi para o frentista passar R$ 100,00 no débito do meu cartão e me dar R$ 90,00 pra eu poder alimentar minha nova compulsão; minha nova nóia sinistra que provinha do poderoso crack.
Voltamos na biqueira, pegamos mais nove pedras e dessa vez fomos para o barraco de um nóia desconhecido, um que eu nem fazia idéia de quem era (mas foda-se, eu tava bem louco de crack mesmo. Vamos seguir o rush), mas sabia que estaria a salvo da policia fumando lá dentro. Chegamos no barraco desse tal nóia, e eu reparei que não havia porra nenhuma lá dentro, só uma porra de uma cama velha e vários cachimbos de crack debaixo dela. Pegamos um cachimbo cada um e começamos a fumar, sem pensar que poderíamos ter uma overdose (ou mais overdoses), ou pegar hepatite C compartilhando aqueles cachimbos sujos e usados. Ficamos algumas horas fumando crack lá, como quem faz ritual satânico: vendo vultos, se sentindo perseguidos, passando a mão no chão, buscando farelos de droga pra jogar no cachimbo, estranhando uns aos outros. Foi sinistro. E lá estava eu, enfiando a perna toda na lama nos meus 17 anos. Não cansado de fumar free base, estava me acabando na pedra. Primeira vez usando e já fui fumar dezenove pedras. Saí do barraco extremamente lívido, quase morto, e o Yellow querendo roubar para fumar mais. Eu fiquei com medo da droga, mas essa droga me deu tesão, e eu gostei do tesão que ela me deu. Bebi mais álcool para diminuir a euforia e os batimentos cardíacos que a droga causa e fui diretamente pra casa vendo fantasmas. Cheguei totalmente drogado e fui deitar, vendo fantasmas e sem tomar banho ou trocar de roupas (o começo da degradação de toda a história de minha vida começou aqui). Fui dormir de tênis, mas não conseguia atingir o sono. Passei a madrugada em claro pensando no que eu tinha feito e no que poderia me tornar. Fui virado para o trabalho (que ainda tinha). E esse foi meu primeiro dia no crack. O resto é sobre assaltos, furtos, trocas de bens, overdoses, policia, paranóia e perseguição.

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