Wednesday, February 19, 2020

Terça-Feira Comum

Terça-feira, junho de 2019. Eu descia a rua do boteco que eu costumava ficar cuidando de motos na frente para comprar drogas, pra mais um dia saciar meu vício em álcool, porque eu sabia que haveriam outros usuários na porta do bar. Fazia um frio do caralho, e eu encontrei meu amigo Rodrigo com uma garrafa de pinga e outra de conhaque, bem louco falando bosta sozinho pela rua. Ele me viu, e automaticamente saiu do seu estado tempestuado de alcoolismo e gritou pelo meu nome no meio da rua, e eu respondi gritando também, pois estava eufórico para secar aquelas garrafas. Nos abraçamos e eu comecei a beber com ele. Um moleque mais novo também estava lá; Garotinho era o apelido dele. Ele era conhecido por ficar baforando lança perfume e ficar falando sozinho, muito louco de droga na rua. A bebida foi subindo, as coisas foram esquentando. O Garotinho começou a falar pra caralho e encher meu saco. Eu disse que ia pregar ele no soco, e ele me disse que pelo meu tamanho, ele teria que tomar "outros tipos de atitude" se eu o agredisse. Eu acabei ignorando. Não queria estragar a loucura que todo aquele álcool  estava me proporcionando com uma porra de uma briguinha. Continuamos a encher a cara sem perdão, incessantemente, virando as garrafas com vontade de um coma alcoólico, pedindo para morrer. O Rodrigo ficou zoado. Ele já estava falando perto demais e estava agressivo. Ele me pediu um cigarro e depois pediu o isqueiro para o Garotinho, mas por algum motivo eles se desentenderam e o Rodrigo deu uma cabeçada no Garotinho. Ele estava bastante violento (Rodrigo) e começou a gritar com o Garotinho, que xingava do outro lado também. Demos espaço para os dois, e o Rodrigo agarrou o Garotinho em um golpe de Jiu Jitsu , e eu assistia tudo enquanto secava as garrafas. Garotinho se livra com força do golpe mordendo com vontade a mão de Rodrigo, que começa a sangrar bastante, os dois trocam olhares afiados e mandamos o Garotinho pra casa. O Rodrigo gritando de ódio no meio da avenida, e quando olhamos para o fundo do beco do bar, vimos Garotinho se aproximando novamente. Ele foi pra cima do Rodrigo, e eu só vi depois o Garotinho correr com uma faca na mão e o Rodrigo deitado no chão da entrada do Shopping. Eu fui correndo até a entrada onde o Rodrigo estava caído e vi aquela poça imensa de sangue ao redor dele. A população começou a aglomerar e fazer vídeos da desgraça alheia, e eu fui segurar a cabeça dele enquanto outra pessoa fazia pressão no ferimento, tentando estancar o sangue. Eu só me lembro dele gritando meu nome e pedindo pelo amor de deus pra eu não deixar ele morrer. Eu entrei em desespero, mas não transpareci para ele ficar calmo. Os bombeiros não chegavam nunca, e ele perdendo cada vez mais sangue. Na real, eu tava com muito medo, mas não surpreso. Como diria Mano Brown: "Acerto de contas tem quase todo dia". Os bombeiros chegaram atrasados e levaram ele para o hospital, e eu com a blusa toda suja de sangue, aproveitei a multidão para roubar um celular (a porra do vício, né?!). Não estava acreditando que meu amigo tinha sido esfaqueado por causa de uma porra de uma briga por causa de uma porra de um isqueiro. Minutos depois a rua já estava lotada de Forças Táticas e o Garotinho se escondendo dentro de casa. Levaram à força o cara que estava estancando sangue para prestar depoimento, logo depois, prenderam o Garotinho. Fui pra casa dormir em choque. No outro dia eu fui pro bar com medo do que poderias ter acontecido, os caras foram me olhando já esperando o que eu fosse perguntar, mesmo assim, eu perguntei: "alguma novidade?", e um cara me disse que às 03h00 da manhã daquele dia ele havia entrado em cirurgia e não havia sobrevivido. Eu engoli amargo. Aquilo me deixou mal. Eu havia assitido o assassinato do meu próprio amigo. Eu me sujei com o sangue dele e havia prometido para ele que ele iria ficar bem. E na real? aquela tinha sido apenas mais uma terça-feira comum no Capão Redondo.

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